Quero um amor assim: que me escreva e venha para perto.
Sempre fui fiel a escrever-te, batiam as onze badaladas no relógio de pêndulo e eu estava a iniciar a escrita. Sem ver as horas, sem saber a quantas andava, começara todas as noites a escrever-te à mesma hora, tinha um relógio dentro de mim a cronometrar o tempo. O carteiro cá da aldeia, o Sr. Adalberto, passava todos os dias às 6 da manhã pela porta da minha casa. Ainda o sol estava a nascer, já os galos cantavam, e ele acompanhavam a melodia com a campainha da bicicleta. Eu apertava o robe, calçava os chinelos e, meia a dormir, meia acordada, esfregava os olhos, descia as escadas de pedra gelada seguidas das escadas de madeira em forma de caracol, como nos filmes sabes? Daí, dava dois passos e já estava na porta de entrada, destrancava as sete chaves, que o meu pai tivera trancado poucas horas antes, chegando do trabalho. A correr, e muitas vezes a tropeçar devido ao sono, ia a correr ter com o Sr. Adalberto, o carteiro. Entregava-lhe todos os dias a correspondência à qual ele me dizia "vai de novo espalhar o seu amor?". Eu sorria apenas. Falando de ti, não sabia onde andavas, não sabia sequer porque partiste para longe, como foste, quando voltavas. As perguntas rodopiavam em mim e perto de mim, e eu não sabia dar-lhes alguma resposta. Sabia apenas que estavas longe. Nunca me tiveras respondido a todas estas interrogações. Eu continuava sem a noção do tempo que levarias a voltar porque simplesmente não trocavas nenhuma carta comigo. Sabia sim que lias as minhas cartas, sabia porque sentia o coração a aquecer, sentia o tremer das minhas mãos sempre que pegava na carta que me tinhas deixado em cima da mesinha, na noite que cá vieste dizer o adeus. Mas, se em dois anos nunca me tinhas respondido, porquê continuar a alimentar aquela transmissão de informação? Prometi que não te deixava de escrever, pois achava que me ias retomar a escrita. Nunca deixaria de escrever como quem diz, acabei por deixar. Ao deixar de escrever, deixei de ter contacto com o Sr. Adalberto. Então quando ele me viu a correr atrás do pequeno cão da avó, ele gritou pelo meu nome e disse "então, o que te fez parar de escrever?". Eu, na mesma sorrindo, disse "A falta de interesse do outro lado. Deixei de sentir o coração quente.".
Meio ano depois, o Sr. Adalberto veio bater-me à porta, perto do meio dia, já o sol entrava pela fachada da janela "menina, tenho algo que lhe pertence". Eu li, eu reli, li de novo e parei. Gelei. Chorei. Fiz questão de ler alto, gaguejando e tropeçando nas palavras. Visto que o Sr. Adalberto fazia aquela relação de palavras + correio fazer sentido, devia-lhe aquelas palavras, entaladas em duas linhas rectas, por mais que poucas eram cheias de amor, escritas a tinta cor de petróleo. Ainda chorava, abracei-me a ele. Ele pegou-me na cabeça e disse " da próxima não te trago uma carta". Eu limpei as lágrimas e questionei-me porquê. O eco repetiu três vezes. Deixei de ver o Sr. Adalberto por perto.
Estávamos em Maio, eu preparava o pequeno almoço. Enquanto isso, abria as janelas. Nisto ouvi vozes, vozes de gente grande, gente adulta. Era homens, eram senhores. Quanto mais me chegava para perto da porta, mais ela parecia longe. Fenómeno estranho. Agarrei o puxador e ao destrancar a porta olhei para o chão, parecia-me estar algo acima do tapete. Nisto, quando tento levantar a cabeça, umas mãos envolveram-me a cabeça e taparam-me os olhos. Sinto um beijo nos lábios, ainda que secos, frios e adormecidos. Ouvi um " O Sr. Adalberto disse-me que não te trazia mais nenhuma carta". Gelei, perdi as forças ao mesmo tempo que os sentidos.
Acordei e ouvi " eu quero um amor assim, que não desista de me escrever por me querer perto."

4 comentários:
adoreeei, todas as pessoas têm os contos de fadas que querem viver :)
podes crer que é :)
p.s o meu blog pessoal é o outro: 'sonhos de uma noite de Primavera' se quiseres
eu percebo :)
sinto-me feliz por saber que vais seguir o meu blog :D
porra que texto lindo mesmo *_*
é acho que todos queremos um amor assim... :)
Enviar um comentário